
Conto Folclórico com Adaptações
Por Robson Matos
Era uma tarde serena de junho, no longínquo ano de 1989, na pacata cidade de Breves, encravada no coração do Marajó. O céu, tingido de um azul pastel, abraçava o Rio Parauaú, que fluía tranquilo, como quem não quisesse acordar os segredos que guardava em suas profundezas.
Quatro amigos inseparáveis — Maneco, Zezinho, Carlito e Juca — estavam decididos a repetir sua já tradicional “pescaria” de fim de tarde. Na verdade, pescavam pouco e se aventuravam muito. Usavam uma velha câmara de pneu de trator, doada pelo sorridente Mestre Zé Dico, mecânico da garagem da prefeitura e figura querida da cidade.
— “Bora logo, que a maré já tá querendo virar!” — gritou Maneco, sempre o mais impaciente.
Antes da partida, passaram pela taberna do Seu Dedé, onde compraram biscoitos, balas, pastelão, queijo e suco de caju.
Por volta das cinco da tarde, chegaram ao Porto da Madenorte, local de encontro de pescadores e amantes do rio. Entre risadas e empurrões, lançaram-se ao rio com a câmara de ar como embarcação improvisada. Eram magros e leves, e cabiam todos — alguns deitados, outros apenas apoiados — deixando o corpo refrescado pela água morna do Parauaú.
A correnteza os levava suavemente. Conversavam sobre tudo: garotas, sonhos, poesias e até dos fantasmas da floresta, histórias que escutavam de seus avós nas noites de apagão.
O sol já se escondia atrás do Estreito de Portel, quando perceberam que haviam ido longe demais. A maré, agora lançante, os puxava para a temida e famosa Boca de Breves, local de encantos e mistérios.
— “Ei, Maneco… não era pra estarmos vendo aquela ponta do rio assim de perto, não?…” — murmurou Carlito, com a voz trêmula.
— “Fica frio, vou empurrar a bóia pra beira” — respondeu Zezinho, o mais forte, já pulando na água.
Logo em seguida, Maneco também desceu, tentando ajudar. Mas a força da maré era cruel. Os dois menores, Juca e Carlito, começaram a entrar em pânico.
— “Tô cansando… tô afundando!” — gritou Juca, com os olhos arregalados.
Num gesto heroico, Zezinho o puxou e o colocou de volta na câmara. Mal teve tempo de respirar, e foi a vez de Carlito ceder ao cansaço. Mais uma vez, Zezinho o resgatou.
O desespero aumentava. Os dois maiores agora lutavam contra o rio para salvar os quatro. Foi quando o medo ganhou forma.
Uma sombra gigantesca surgiu a alguns metros deles. Primeiro pensaram ser um peixe-boi, depois uma sucuri. Mas era algo diferente. Um vulto escuro, enorme, com olhos vermelhos que pareciam brasas no entardecer.
— “É o bicho!” — gritou Juca. — “É o Jacaré-Açu da Boca!”
Todos subiram na bóia num salto só. O pavor os dominou. O bicho nadava em círculos, como se estivesse brincando com o medo deles.
— “Se a gente morrer, é culpa tua, Zezinho, você é o comandante da bóia !” — gritou Carlito, chorando.
Foi então que ouviram um barulho abençoado: “pôpôpôpôpô”…. Um barquinho de motor pequeno se aproximava.
— “Ei! Aqui! Aqui!” — gritou Maneco, agitando os braços.
O pescador, um velho conhecido da cidade chamado Zé da Rabeta, jogou uma corda em direção aos meninos. O jacaré, assustado pelo motor, mergulhou e desapareceu.
— “Segura firme, molecada! Vocês querem virar comida de bicho, é?” — bradou o velho, puxando-os um a um.
Chegaram à cidade exaustos, encharcados e em silêncio. Só depois, já no trapiche, tiveram forças para agradecer.
Algumas semanas depois, pescadores capturaram um jacaré-açu colossal nas proximidades do mesmo trecho do rio. A criatura foi exibida no Trapiche Municipal como troféu e virou notícia até nos jornais de Belém. Segundo os moradores, era ele o causador de ataques às criações ribeirinhas e, quem sabe, até de algumas vítimas humanas. Desde então, Maneco, Zezinho, Carlito e Juca aposentaram a velha câmara de pneu. O medo havia vencido a aventura. Mas a história? Essa virou lenda. Dizem que os filhotes do monstro ainda habitam os igarapés escuros afluentes do Parauaú e quem se arrisca a nadar por lá hoje, jura sentir o olhar do antigo jacaré-açu ainda espreitando sob as águas barrentas.